30/12/2008

Usque adeone mori miserum est?

Fazendo essa pergunta, no décimo segundo canto da Eneida, Turno decide enfrentar corajosamente o combate, mesmo que sua morte pareça estar selada. Desde a Antiguidade, com Macróbio em sua Saturnalia, esse provérbio já dava sinais de que é valioso enfrentar a morte com dignidade. E não é por outro motivo que Sêneca condenava aqueles que, como Miles Davis, enfrentavam fiascos terríveis só para terem vida mais longa. Então é isso: até que ponto é triste morrer? É triste quando um homem utiliza sua virtuosidade musical com absoluto profissionalismo, produz, como líder ou como sideman, alguns dos melhores discos de jazz da História e pode olhar para traz sabendo que venceu por sua única e exclusiva técnica e sensibilidade? Creio que não é triste. É apenas uma maneira honesta de exercer a música. O triste é a perda insubstituível para os amantes do jazz. Abaixo uma faixa in memorian a Freddie Hubbard, All Blues, só para implicar com os fãs de Miles Davis. Com ele estão Don Braden (ts), Ronnie Mathews (p), Jeff Chambers (b) e Ralph Penland (d). Mais adiante seguem duas antigas resenhas que já postamos aqui sobre Freddie. Para os mais exigentes, recomendo a despedida de Mr. Grijó, amigo nosso que escreve no Ipsis Literis e que nos trouxe a notícia mal esfriara o corpo do músico. Feliz 2009 Hubbard!

Hubbard - Repost II

Nas mãos sonolentas sustento o livro Almanaque Do Samba, do jovem historiador André Diniz, lançado ainda há pouco pela Jorge Zahar. Ele comenta, naquele tom gostoso dos almanaques, entre várias outras coisas, a vergonhosa aposentadoria forçada de Vinícius de Moraes pelo AI 5, em 13 de junho de 1965. No copo, dois bons dedos de Corralillo, um merlot com pitadas de malbec, de 2003. O amigo argonauta, chegado a tintos chilenos, pode comprar sem medo tantas garrafas quanto seu bolso permitir. Ao fundo coloquei uma excelente jam de Freddie Hubbard com Jimmy Heath, registrada clandestinamente por Vernon Welsh e seu gravador portátil. Lançada em cd pela Label M, a qualidade do som surpreende e a música é de primeira, com Gus Simms (p), Wilbur Little (b) e Bertell Knox (d). Se quiser continuar acordado, ouça What Is This Thing Called Love e Autumn Leaves. São 32 minutos de improviso gravados no Famous Ballroom, em 13 de junho de 1965. É logo ali – acima, à direita – no Jazzseen Jam Sessions. Bons sonhos!

Hubbard - Repost I

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Pois é: lendo o comentário do amigo Roberto Scardua, que conheci durante um show no clube Iridium, em New York, resolvi dar um pulo no site e verificar o que está rolando por lá. Nada mais, nada menos, que Freddie Hubbard! Com ele só gente fraquinha: James Spalding (as), Christian McBride (b), Ronnie Matthews (p), Louis Hayes (d), Javon Jackson (ts), Slide Hampton (tb), Curtis Fuller (tb), George Cables (p), Dwayne Brune (b), Joe Chambers (d), Craig Handy (ts) e Steve Davis (tb). É... Para os amigos navegantes, deixo a faixa The Intrepid Fox, gravada ao vivo em 1981 no Keystone Korner, em San Francisco. Abaixo, resenha do Iridium sobre a coisa toda. A senha para acesso à faixa é a de sempre: jazzseen.

One of the great jazz trumpeters of all time, Freddie Hubbard formed his sound out of the Clifford Brown/Lee Morgan tradition, and by the early '70s was immediately distinctive and the pacesetter in jazz. Born and raised in Indianapolis, Hubbard played early on with Wes and Monk Montgomery. He moved to New York in 1958, roomed with Eric Dolphy (with whom he recorded in 1960), and was in the groups of Philly Joe Jones (1958-1959), Sonny Rollins, Slide Hampton, and J.J. Johnson, before touring Europe with Quincy Jones (1960-1961). He recorded with John Coltrane, participated in Ornette Coleman's Free Jazz (1960), was on Oliver Nelson's classic Blues and the Abstract Truth album (highlighted by "Stolen Moments"), and started recording as a leader for Blue Note that same year. Hubbard gained fame playing with Art Blakey's Jazz Messengers (1961-1964) next to Wayne Shorter and Curtis Fuller. He recorded Ascension with Coltrane (1965), Out to Lunch (1964) with Eric Dolphy, and Maiden Voyage with Herbie Hancock, and, after a period with Max Roach (1965-1966), he led his own quintet, which at the time usually featured altoist James Spaulding. A blazing trumpeter with a beautiful tone on flügelhorn, Hubbard fared well in freer settings but was always essentially a hard bop stylist. In 1970, Freddie Hubbard recorded two of his finest albums (Red Clay and Straight Life) for CTI. The follow-up, First Light (1971), was actually his most popular date, featuring Don Sebesky arrangements. In 1977, he toured with Herbie Hancock's acoustic V.S.O.P. Quintet and, in the 1980s, on recordings for Pablo, Blue Note, and Atlantic, he showed why he is clearly one of jazz’s living legends.This week he is joined by a steller cast of musicians who will make this week very special!

24/12/2008

Planos do delírio

Sábato Magaldi não é nem o mais ilustre nem o mais inexpressivo membro da Academia Brasileira de Letras. Sua incólume existência como “imortal” não lhe retira, contudo, o intato valor como pesquisador e crítico teatral, além de professor universitário dedicado. Segundo Sábato, o teatro brasileiro moderno nasceu em 28 de dezembro de 1943, data em que foi encenada pela primeira vez a peça Vestido de Noiva, de Nélson Rodrigues. A coisa se deu no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, numa feliz reunião de coincidências: a primeira delas, e certamente a mais importante, diz com as inovações trazidas pelo texto de Nélson; a segunda coube ao polonês Ziembinski que, fugindo do nazismo, trouxe - com o grupo Os Comediantes - uma nova concepção de encenação – impondo a noção de equipe sobre o império já cansativo do astro sobre o restante do elenco - e, sobremodo, de iluminação - que faria ofuscar, com suas centenas de efeitos luminosos, o previsível triunvirato da luz da manhã, luz da tarde e luz da noite; e, terceiramente, o desenho do cenário feito por Tomás Santa Rosa – sutilmente elaborado, acompanhando a idéia de Nélson, segundo a qual a peça seria o resultado de ações simultâneas em tempos diferentes. Tomás (veja a foto) dividiu o cenário em três planos, conforme indicação no próprio texto de Vestido de Noiva. Nélson rompe, assim, com a boa e velha seqüência cronológica, misturando os tempos, fazendo com que os planos da realidade, da alucinação e da memória possam participar ativa e concomitantemente da festa do teatro. Sim, porque se ler um texto de teatro é uma das experiências mais traumatizantes da história da humanidade, assisti-la é algo incomparavelmente bom, emocionante e completo. De raro em raro durante a narrativa ouve-se a repetição do som inicial da derrapagem de um veículo, seguida do som de vidraças partidas e da sirena de uma ambulância. É como se um solista de jazz, após alguns compassos de improviso, voltasse ao tema principal. O fato inconteste mistura-se às lembranças e delírios, tecendo o desenrolar da trama como renda nunca vista por uma platéia atônita. Para Sábato, o estudioso, Nélson retirou do todo-poderoso protagonista a presença física perene e absolutamente consciente que até então sufocava nossa dramaturgia, fazendo com que as conquistas da psicanálise subissem ao palco.
No plano da realidade, os acontecimentos são mínimos, porque no universo de Nélson, eles não têm importância maior que situar a trama para o espectador, resumindo-se a pequenas falas de repórteres, gritos de jornaleiros ou comentários de médicos que atendem a acidentada. Na peça, o que conta são as memórias e os delírios da moribunda, memórias cada vez mais fracas e delírios cada vez mais fortes, conforme a morte se aproxima, memórias e delírios libertos da censura porque, agora, estão ambos sob o comando do subconsciente. E não posso acreditar que o acaso seria o responsável por Lester Young ter realizado sua primeira gravação como líder no dia 28 de dezembro de 1943. Lester, assim como Nélson, não dava a mínima para o plano da realidade – entenda-se, aqui, partitura. A sua história era contada mais e sempre no plano da memória (que lhe possibilitava armar divertidos mosaicos de citações e frases compatíveis) e no plano da alucinação (através de improvisos que, sem exagero, até hoje nos emocionam e quase nos desamparam por sua beleza inevitável). Depois, Lester volta à derrapagem, às vidraças quebradas e à sirena. Para os amigos, como presente de Natal, deixo a faixa Sometimes I’m Happy , com Johnny Guarnieri (p) no plano da memória, Slam Stewart (b) e Sidney Catlett (d) no plano da realidade e Lester Young (ts) no plano do delírio.

21/12/2008

The True Birth

Apaixonado por baladas, Claude Thornhill costuma ser acusado de líder de bandas de baile ou sweet band por alguns críticos de jazz. Muito ao contrário, a banda de Thornhill é uma das poucas bandas de jazz da década de 1940 com sonoridade própria e original, e uma das poucas que soube utilizar com sucesso as complexas inovações trazidas pelo bebop. Alguns poucos líderes desse período podem ser comparados a Thornhill no que se refere à capacidade de acomodar e moldar a nova linguagem do bebop às big bands, com importantes e inéditas experimentações na instrumentação e nos arranjos. Como leciona Frank Tirro em seu Jazz: A History (2nd Ed., Norton, p. 324), talvez somente Dizzy Gillespie, Wood Herman e Stan Kenton tenham tido maior importância que Thornhill no contexto das big bands do bebop. Com arranjos de Gil Evans e Gerry Mulligan, Thornhill trouxe inovações na sonoridade e na instrumentação que seriam fundamentais para o surgimento do cool jazz, tanto é que o escorregadio Miles Davis utilizaria em 1949 os arranjadores e os músicos de Thornhill para a célebre sessão denominada The Birth of The Cool, sessão que na verdade não pretendia dar a luz a coisa alguma, representando apenas mais uma das diversas experiências que Thornhill e seus músicos já vinham desenvolvendo com Evans e Mulligan desde 1942. 

Claude Thornhill (1909-1965) começou a carreira tocando piano em pequenas bandas do meio-oeste. Na década de 1930 trabalhou para Paul Whiteman, Benny Goodman e Ray Noble. Após participar de algumas sessões com Billie Holiday e Maxine Sullivan, Thornhill forma sua própria banda em 1940, utilizando trompas, tubas, trocando os saxofones por clarinetes e eliminando os vibratos gratuitos que tanto caracterizariam o swing. Sua sonoridade original, cristalina e complexa estava repleta dos elementos que, logo a seguir, permitiriam o surgimento do cool jazz. Em 1947 realizou uma das primeiras e mais bem sucedidas gravações das músicas de Charlie Parker no contexto de big band – saindo-se inclusive melhor que as gravações realizadas pela banda de Gillespie. Infelizmente Thornhill morreu praticamente esquecido e sem o reconhecimento que merece ter, talvez em parte pela incompatibilidade da dança tradicional com o estilo enlouquecido do bebop e, também, pela complexidade e agressividade deste. Daí também a efemeridade e insucesso geral das big bands do bebop. Para os amigos fica a faixa Donna Lee , gravada durante uma transmissão radiofônica de 1947. Entre os músicos que integram a banda de Thornhill vale destacar Lee Konitz (as) e Red Rodney (t). Na faixa em apreço cabe atenção aos excelentes solos de Allan Langstaff (tb) e Barry Galbraith (g).

17/12/2008

Lançamento imperdível

Nunca é demais lembrar que amanhã, dia 18 de dezembro de 2008, passaremos a contar com mais um livro de Reinaldo Santos Neves, o presidente do Clube das Terças, nas livrarias. Para os amigos, segue fragmento da entrevista concedida a Erly Vieira Jr., cineasta, escritor e professor da UFES: O escritor Reinaldo Santos Neves fala do seu novo romance, A ceia dominicana, o segundo a ser publicado nacionalmente pela editora Bertrand Brasil. Na primeira parte dessa conversa, Reinaldo comenta a ligação desse texto com duas de suas obras anteriores, sob a forma de uma trilogia (o romance As mãos no fogo e o Poema Graciano, publicados há mais de duas décadas), bem como das aproximações d’A ceia, ambientada no balneário de Manguinhos em fins da década de 70, com a antiguidade clássica, em especial no paralelo com o Satyricon, de Petrônio.
Esta entrevista com Reinaldo Santos Neves se estenderá pelas próximas quarta (10), quinta (11) e sexta-feira (12). O escritor lança A ceia dominicana no próximo dia 18, a partir das 19h, na Biblioteca Pública Estadual, na Praia do Suá.
A ceia dominicana: romance neolatino é a conclusão da trilogia iniciada com dois textos publicados há mais de duas décadas: o Poema graciano (1982) e o romance As mãos no fogo (1983). Por que retomar esse universo, vinte e cinco anos depois?
Projetos literários estão sujeitos a todo tipo de vicissitude, inclusive deserção por parte do autor. No meu caso, se abandonei alguns pra nunca mais, abandonei outros pra retomá-los em outro formato. Dentre estes, posso citar o romance Filhos de Anna: originalmente ambientado em Vitória no século XX, foi a meio caminho transferido pra França do século XIV e convertido na Crônica de Malemort (1978); posso citar também o próprio Mãos no fogo, totalmente reescrito numa linguagem mais elaborada pra substituir a linguagem despojada e enxuta que era a marca da primeira versão. Essas mudanças de formato se fizeram sem longas interrupções: identificada a mudança necessária, tinha início a reformulação do texto. No caso da Ceia dominicana, porém, o intervalo foi bem mais longo entre as duas ou três primeiras tentativas e esta última, que redundou na conclusão do romance. Por outro lado, durante esses 25 anos, em momento algum deixei de acreditar na validade do projeto, de ter fé em sua originalidade e em seu potencial literário. É difícil largar de mão um projeto assim. Além disso, havia a questão de honra de fechar a trilogia anunciada na edição das Mãos no fogo. Assim, minha fidelidade de visionário acabou recompensada: pude encontrar a abordagem que, se não a única possível, me parece ter sido a melhor e mais adequada pra este autor aplicar a este projeto e concluí-lo.

Este livro já está anunciado no texto que Herbert Daniel fez para a orelha de As mãos no fogo. Daniel também já falava, a respeito do que seria essa terceira parte da trilogia, de uma inspiração declarada no Satyricon. Por que optar por esse diálogo com um texto da antiguidade clássica ao escrever uma estória ambientada no balneário de Manguinhos, em pleno final dos anos 70?

Não me lembro hoje, depois de tanto tempo, exatamente o que me deu a idéia de um romance inspirado no Satyricon. No romance Sueli e em correspondência com amigos há referências ao capítulo de cerca de 30 páginas suprimido das Mãos no fogo pra constituir um romance à parte. Em carta de dezembro de 1981 ao escritor João Felício dos Santos sintetizo o projeto como “uma tentativa de recriação moderna da ceia de Trimálquio, do Satyricon” e menciono um dos pratos da ceia, “gato com cerejas, que dizem ser fina iguaria.” Na correspondência posterior o que há são referências eventuais ao conflito entre autor e texto que me levou a uma primeira trégua, na qual me dediquei, por puro diletantismo, à tradução do romance Vendaval na Jamaica, de Richard Hughes, que foi concluída mas não editada. Quanto ao diálogo entre uma história ambientada em Manguinhos e a antiguidade clássica, esclareço que a idéia pro que seria digamos assim um Satyricon brasileiro precede a escolha de Manguinhos como cenário da história: Manguinhos não é cenário do capítulo suprimido, mas do romance que lhe tomou o lugar. E, se o cenário tinha de ser uma praia, porque é numa cidade (não identificada) da baía de Nápoles que se passa boa parte da ação do Satyricon que chegou até nós, era natural que minha escolha recaísse sobre Manguinhos. Manguinhos está no imaginário de toda a minha família. Meu avô materno, Ceciliano Abel de Almeida, já nos anos 20 tinha ali uma casinha de veraneio, e foi lá que se refugiou, como pessoa ligada ao partido da situação, assim que se consumou a vitória dos revolucionários de 1930. Eu mesmo sempre passei as férias lá, desde criança até a idade madura. Aquela velha Manguinhos está guardada dentro de mim com muito carinho. Quanto ao ano do romance, 1979, não podia ser outro: afinal, trata-se de uma seqüência imediata da história das Mãos no fogo, que se situa em fins dos anos 70. O próprio Poema graciano se data a si próprio no verso 351: “ano setenta e nove: eu vinte e sete”.

Em As mãos no fogo, a Vitória do final dos anos 70 está toda lá, retratada de forma um tanto quanto realista. Já a praia de Manguinhos é narrada nA ceia dominicana sob um forte viés do fantástico, do extravagante, o que até nos aproximaria, de certa forma, ao universo da Roma antiga, certo?

Na verdade, o elemento fantástico só se manifestou quando já ia avançado o trabalho de escritura desta versão do romance. Até então, não tinha me passado pela cabeça essa possibilidade: o romance seria tão realista como As mãos no fogo, só que bem mais extravagante, pra usar o seu termo. Aliás, se comparamos, nesse aspecto, A ceia com o Satyricon, vemos que A ceia chega a apelar pro fantástico mais que seu modelo, porque em Satyricon não há nada de explicitamente surreal a não ser uma ou outra história vicária, narrada pelos personagens; há magia, por exemplo, mas não há milagres nem portentos. Mas, à medida que fui desenvolvendo o texto, a dimensão fantástica começou a se impor, o que me pareceu natural e até necessário, porque pavimentava o caminho até o universo de Roma antiga. No entanto, os elementos surreais da Ceia podem até, em grande parte, ser explicados de forma realista, sobretudo se admitirmos que o narrador, como poeta que é, tende a lançar mão de licença poética pra contar a sua história. Convém lembrar que, pra todos os efeitos, A ceia não é um romance de autor, mas de personagem. Seu autor é Graciano Daemon e não Reinaldo Santos Neves. E, sendo Graciano um poeta, é natural que apele não só pro poético, mas também pro fantástico, o que, em termos práticos, dá no mesmo. Me agrada estabelecer um paralelo entre o Graciano narrador da Ceia e o Gulley Jimson narrador de The Horse’s Mouth, do romancista inglês Joyce Cary (falecido em 1957). Jimson é um pintor obsessivo, e assim a história é narrada do começo ao fim pela ótica de um pintor, que tudo vê e tudo expressa plasticamente, atento sempre às cores e às formas do mundo que o cerca.

Nota-se um tom picaresco por todo o romance (algo que inclusive faz ecoar a influência do Satyricon, precursor do gênero), reforçado por uma atitude de se entregar à própria sorte, assumida por Graciano durante os episódios narrados. Podemos pensar numa releitura do gênero nA ceia dominicana?

Segundo P. G. Walsh (The Roman Novel, p. 2 e 4), o romance picaresco não é invenção dos espanhóis, mas dos romanos, com as duas obras-primas que são o Satyricon de Petrônio e o Asno de ouro de Apuleio. No caso específico do Satyricon, temos um romance essencialmente picaresco quinze séculos antes de Lazarillo de Tormes, texto que inaugura o ciclo picaresco espanhol. Assim, com o Satyricon como modelo, A ceia não poderia deixar de seguir o padrão picaresco em sua estrutura narrativa. Ora, muitas características do romance picaresco se encontram na Ceia: narrador na primeira pessoa, narrativa episódica, situações grotescas e ridículas, personagens recorrentes, isto é, que reaparecem ao longo do relato, amoralidade e cinismo, sátira social, digressões sobre a condição humana, histórias vicárias, ou seja, contadas pelos próprios personagens, etc. Sem dúvida nenhuma, A ceia dominicana pode e deve ser classificada como romance picaresco, mas dentro da tradição romana, inclusive porque tem narrador ingênuo (como Encólpio no Satyricon e Lúcio no Asno de ouro), cuja ingenuidade torna-o vítima das circunstâncias. Para ler a entrevista na íntegra, clique nos links a seguir:

http://www.seculodiario.com.br/novo/exibir_noticia_atracao.asp?id=728

http://www.seculodiario.com.br/novo/exibir_noticia_atracao.asp?id=741

http://www.seculodiario.com.br/novo/exibir_noticia_atracao.asp?id=750.




The Modern Jazz Disciples

Foi grande a surpresa entre os participantes do último blindtest realizado pelo Clube das Terças, o mais longevo clube de jazz do Espírito Santo, que deve seu nome ao dia em que ocorrem nossas reuniões, sempre por volta das 18h, no Centro da Praia Shopping, em Vitória. O cd, contendo dois álbuns do grupo, um gravado em 1959 e o outro em 1960, começou a tocar e o primeiro a acertar o nome de qualquer um dos músicos que tocavam, receberia prêmio condigno: o excelente álbum Interferências, do pianista Turi Collura. A batalha se concentrou no ágil e nítido saxofone, perfeitamente integrado às contribuições deixadas por Charlie Parker. Foram desferidos os seguintes disparos, todos fora do alvo: Cannonball Adderley, Jackie McLean, Art Pepper, Sonny Stitt, Gigi Gryce, Phil Woods, Sonny Criss, Charlie Mariano, Eric Dolphy, Lee Konitz, Charles McPherson. Nada. Um dos sócios chegou a balbuciar o nome de Bobby Watson, no que foi prontamente advertido pelo presidente do clube: Bobby Watson nasceu em 1953 e, portanto, não poderia ter realizado estes solos com apenas três anos de idade. E as apostas continuaram, todas mal sucedidas: Roland Kirk, Arthur Blythe, Ken McIntyre, Lou Donaldson, Charles Lloyd, Gene Quill, John Handy, Eric Kloss, Gary Bartz, Joe Maini, Sonny Red, Herb Geller, Oliver Nelson, Donald Harrisson. Terminado o cd, foi com tristeza que John Lester anunciou o final do teste, sem vencedores. Curiosos, descobriram os consortes que acabavam de ouvir o The Modern Jazz Disciples, quinteto formado em Cincinnati, Ohio, em 1958 pelo saxofonista Curtis Peagler, proprietário de um sopro veloz, agressivo e repleto de swing, embora totalmente imerso na linguagem do hard bop. Conforme nos relata Bob Snead nas notas do primeiro álbum, The Modern Jazz Disciples, os integrantes do grupo confessam que o apoio de Eddie “Lockjaw” Davis foi fundamental para a gravação de seu primeiro álbum. Após ouvi-los tocando no Babe Baker’s Jazz Corner, em Cincinnat, Eddie sugeriu que gravassem um tape, o que foi feito. Foi o prórpio Eddie quem levou o demo à Prestige, do que resultou a estréia do quinteto em lp da New Jazz.
Os demais membros do The Modern Jazz Disciples são William Kelly, trompetista de Cincinnat que se dedicou com sucesso a dois estranhos instrumentos raramente utilizados no jazz: o euphonium (instrumento de sopro com extensão entre o trombone e a trompa) e o normaphone (um trombone de válvulas construído na forma de um saxofone). William Brown, pianista do Harlen, Kentucky, recebeu influências dos pianistas Art Tatum, Bud Powell e Thelonious Monk, além de respeitar as contribuições de Charlie Parker, Dizzy Gillespie e John Coltrane. Lee Tucker, também nascido em Cincinnat, é um autodidata que começou ao trompete, passando mais tarde para o contrabaixo, seu primeiro instrumento. As influências de Jimmy Blanton e Oscar Pettiford são notórias. Ronald McCurdy, baterista irlandês que integrou a famosa Belfast Bag Pipe Band. Chegando aos EUA, passa a estudar na University of Cincinnat, onde conhece os demais integrantes do quinteto. No segundo, e infelizmente último, álbum do quinteto, McCurdy é substituído por Wilbur “Slim” Jackson, o que não altera o som incisivo e honesto do grupo que, como afirma Nat Hentoff, não se permite utilizar frases inúteis, fazendo um jazz repleto de entusiasmo e bom gosto. Para os amigos fica a faixa After You’ve Gone. Para detalhes, clique nas fotos para amplia-las. Até!

09/12/2008

Edú é blue

Nosso amigo André Tandeta, músico e colaborador do CJUB, comparece pouco aqui no Jazzssen, mas, quando aparece, sempre traz luz e calor aos debates dos quais participa. Num de seus comentários mais recentes, André sustenta com todas as suas baquetas a valorosa colaboração de Edú, nosso correspondente Jazzseen em São Paulo. Segundo Tandeta, Edú é “um valoroso e excelente escriba” além de ser “um conhecedor de jazz” e possuir um “ótimo texto na língua pátria, simples, direto e, pelo visto, livre de certos cacoetes modernos”. Tandeta não apenas está certo, como também faz recordar imediatamente o centenário ensinamento XXVI do jesuíta espanhol Baltasar Gracián (1601-1658), que em sua obra A Arte da Prudência leciona: “Satisfazer-se mais com intenções que com extensões. A perfeição não consiste na quantidade, mas na qualidade. Tudo o que é muito bom sempre foi pouco e raro: o muito é descrédito. Mesmo entre os homens, os gigantes costumam ser os verdadeiros anões. Alguns avaliam os livros pela corpulência, como se escritos para exercitar mais os braços do que os engenhos. A extensão sozinha nunca pôde exceder a mediocridade, e essa é a praga dos homens universais: por quererem estar em tudo, estão em nada. A intensidade dá eminência, e é heróica se em matéria sublime”. Se Tandeta me lembrou Gracián, Gracián me lembra o primeiro encontro que tive com Angela Davis, professora de História da Consciência Negra na University of California, em Santa Cruz. Eu passeava com Bessie, a shar-pei negra de meu primo Juca, quando um chow-chow branco se insinuou saliente. Angela pediu desculpa levemente constrangida com a atitude viril de Daddy.
Enquanto eu sorria, Angela, confusa, deixou cair no gramado um volume de seu Blues Legacies and Black Feminism: Gertrude “Ma” Rainey, Bessie Smith and Billie Holiday. Gentilmente o recolhi e, ato contínuo, perguntei-lhe se era um bom livro, assomando que apreciava muito o blues. Entre tímida e aturdida, Angela confessou-me que era ela a autora e, assim sendo, preferia não manifestar sua opinião. Sorrimos os dois, seguindo pelo gramado do condomínio enquanto trocávamos algumas idéias acerca do blues. Angela reportou que sua releitura do blues clássico trouxe novas perspectivas para esse gênero que sempre foi considerado estéril como música de protesto. Nas páginas 95 (first Vintage Books edition, 1999) e seguintes, Angela faz uma interessante análise paralela de dois blues: Poor Man’s Blues e Washwoman’s Blues, concluindo que Bessie Smith não sofria de nenhuma apatia política como fora tantas vezes acusada, mas apresentava, sim, suas manifestações de protesto quanto às condições de vida do afro-americano e, especialmente, da mulher negra norte-americana que, após a libertação dos escravos, estava condenada a lavar roupa, cozinhar e encerar chão para patrões brancos, além de servir sexualmente a seus violentos maridos. Angela, em seu livro, não se limitou à uma análise estritamente semântica ou sintática das letras cruas, nem tampouco às melodias e aos músicos que a acompanhavam, mas demonstrou de forma inteligente e clara que o blues clássico, com toda a sua simplicidade e objetividade aparente, possuía aquele grau de ironia, conteúdo e qualidade de que nos fala Tandeta e Gracián. Enquanto o amigo Edú não compõe um blues, ficamos com I’m Wild About That Man , com Bessie Smith - a voz mais negra da noite mais profunda, Clarence Williams (p) e Eddie Lang (g), gravada em 1929. A perspicaz escritora, além de traçar com clareza a linha de continuidade entre o blues clássico, o jazz, o rhythm and blues, o funk e o hap, retirando das ingênuas entrelinhas do blues rural do sul e do blues urbano do norte os temperos de protesto, ainda traz todas as letras das canções de Gertrude e Bessie, dificilmente encontradas em outras fontes. Thank you Angela Yvonne Davis. Ou seria a voz mais profunda da noite mais negra? Só mesmo mestre Edú para nos esclarecer.

05/12/2008

Lenda viva

De vez em quando, o baterista Roy Haynes reúne um seleto grupo de amigos bateristas em sua casa em Long Island. Lá permanecem confortavelmente acomodados em seu estúdio doméstico. Bebem champagne e celebram a memória do homem que aparece retratado no pôster colado numa das paredes - enquanto ouvem suas gravações. O homem é Jo Jo Jones (1911/1985), o mais "refinado" baterista da era do swing e membro da big band de Count Basie por mais de doze anos. Haynes jamais se cansa de repetir nas reuniões: "ele é o cara !". Para os apreciadores do jazz e da própria música em si,no entanto, essa afirmação - banalizada e vulgarizada à exaustão, serve da mesma forma ao autor da reverência.Medindo não mais que um metro e sessenta e aos 83 anos de idade, Roy Haynes "rejuvenesce" dia-a-dia produzindo música arrebatadora junto ao seu grupo formado por talentosos jovens que mal alcançam os trinta anos de idade. Parece "sugar" litros do "elixir" que dá nome ao grupo: Founth of Youth (tradução livre: Fonte da Juventude). Na experiência de espectador em suas apresentações - situação duas vezes vividas por esse escriba - fica-se verdadeiramente comovido pela energia e entusiasmo do quarteto (piano, baixo ac, bateria e, na maioria das vezes, saxofone). Os jovens integrantes formalizam cumplicidade com o veterano músico, testemunha ocular e partícipe, em certos períodos, da evolução e revolução do próprio jazz há mais de seis décadas. O repertório das apresentações é composto por standards (canções do repertorio popular tradicional americano dos anos 20 até inicio dos 60 e alguns temas de jazz ,na maior parte) com abordagens dinâmicas e intervenções revigorantes. Dotado de miraculosa coordenação motora e capacidade criativa de preenchimento polirrítmico, Haynes torna-se gigante munido de baquetas, entre os pratos percussivos, tambores e pedais. Se uma das melhores virtudes da experiência humana é a sua capacidade de utilizar o passado em benefício do presente, Roy tem imprescindíveis lições a ensinar. Trabalhou com as três grandes cantoras do jazz (Billie, Ella e Sarah). Billie Holiday em 1959, seu último ano de vida. Ella, por dois meses e Sarah por cinco anos (53-58). Sarah Vaughan, inclusive, tem responsabilidade por seu primeiro "porre" na vida, depois de uma "esticada" na Filadélfia em 53. Haynes - no período de 49-50 - estava no quinteto de Charlie Parker e na histórica gravação de "My Little Suede Shoes". Participou da primeira sessão de Sonny Rollins como líder em 1951,com Miles Davis abandonando temporariamente o trompete e aventurando-se no piano "naquele take".E da primeira gravação de Bud Powell, em 49, pro selo Blue Note. Roy grava seu primeiro disco solo em 58 com Phineas Newborn(p) e Paul Chambers (b ac).Nos anos sessenta associa-se musicalmente,em diversas fases, com Lennie Tristano, George Shearing, Stan Getz e Kenny Burrell(guit).Foi integrante da históric a temporada de John Coltrane e Thelonius Monk no Five Spot no Harlem em 1958. Depois da saída de Elvin Jones, entra no grupo de John Coltrane onde fica por 3 anos. Se uma das alegadas razões da saída de Elvin foi a vontade de Coltrane em colocar mais uma bateria ao célebre quarteto, o saxofonista "arquivou" essa idéia durante seu estágio com Haynes.

Nos anos 70 e 80 fez parte do trio de Chick Corea com o baixista Miroslav Vitous. Nos anos 90, ajuda a guitarra do cabeludo Pat Metheny soar um pouco mais próxima ao jazz. Os quinze anos recentes tem sido extremamente prósperos e produtivos pra Haynes. Sendo genuinamente músico de jazz, excursiona com regularidade e tem "escritura lavrada" de três residências pra seu conforto nos EUA. Uma delas em Las Vegas, maior parque temático adulto do mundo. Coleciona automóveis clássicos e veste-se com roupas dispendiosas de grifes internacionais. Garantindo, anteriormente, sua eleição como o músico mais elegante da América ao lado de Miles Davis pela revista Esquire, nos anos 60. Um final aparentemente feliz para um indivíduo que a mera passagem do tempo se revela apenas nas "amareladas" páginas rabiscadas do calendário. Para os amigos deixo a faixa Dear Old Stockholm , com Danilo Perez (p) e John Patitucci (b), em mais uma das tantas excelentes formações em trio do mestre das baquetas. O nome do álbum é, como tantos outros, The Roy Haynes Trio, gravado em 1999 e lançado em 2000 pela Verve. Um abraço a todos e até breve!

03/12/2008

Jazz +

Nós todos já sabemos que o amigo Emerson Lopes tem publicado seus podcasts no Estadão on line. Aqui você ouve Emerson falar sobre a volta da revista Jazz +, a única publicação nacional que dá alguma atenção ao jazz. E não se esqueçam de acompanhar aqui as outras dicas do Jazzy.

02/12/2008


  • Cartoons em Jazz - Turi Collura


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  • Cartoons em Jazz - Turi Collura

  • Satyagraha

    Já era madrugada de sábado quando o professor, amigo e escritor Pedro Nunes me telefonava apenas para comunicar que a morte é a única coisa capaz de abalar a vaidade humana de forma definitiva. Ainda que insistamos, prosseguiu o catedrático, no epitáfio de prata, na lápide de mármore rosa ou no mausoléu de carrara, foi-se no túmulo o derradeiro murmúrio da vaidade. Era essa sua conclusão depois de afilada leitura das Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens, de Mathias Aires, aquele que, segundo afirmava o insone mestre, seria nosso primeiro saliente filósofo. São deles ótimas frases, transcrevia Pedro Nunes: “vivemos com vaidade, e com vaidade morremos; trazem os homens entre si uma contínua guerra de vaidade; e conhecendo todos a vaidade alheia, nenhum conhece a sua: a vaidade é um instrumento que tira dos nossos olhos os defeitos próprios, e faz com que apenas os vejamos em uma distância imensa, ao mesmo tempo que expõe à nossa vista os defeitos dos outros ainda mais perto, e maiores do que são. A nossa vaidade é a que nos faz ser insuportável à vaidade dos mais; por isso quem não tivesse vaidade, não lhe importaria nunca que os outros a tivessem”. Açodado, porquanto recolhesse do madureiro um já alaranjado mamão, cuidei de interromper o empolgado interlocutor para lembrar-lhe que Mathias, nesse mesmo texto, adverte que “nasceu o homem para viver em uma contínua aprovação de si mesmo”. E, embora Mathias não o tenha afirmado, eu poderia apostar que tal aprovação é buscada quase que exclusivamente junto a terceiros, e raríssimo junto a nós mesmos. Enquanto sibilava uma pitada de rapé, concordei com o amigo sobre a beleza e a importância das Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens, quanto mais quando Mathias nos adverte que “o juízo é um entendimento sólido; por isso pode haver entendimento sem juízo, mas não juízo sem entendimento: ter muito entendimento às vezes prejudica, o ter muito juízo sempre é útil; nas ações de um homem conhecemos seu juízo, e no discurso lhe vemos o entendimento: o juízo duvida antes que resolva, o entendimento resolve primeiro que duvide; por isso este se engana pela facilidade com que decide, e aquele acerta pelo vagar com que pondera”. E não foi outro o caso de Martin Luther King Jr., o maior líder negro do século XX.
    Nascido em 1929 na Georgia, estado que forneceu tímida fornada de músicos de jazz – lembro agora de dois ou três deles, como Fletcher Henderson, Hank Mobley e Mary Lou Williams – desde cedo convive com a corpulenta discriminação racial do sul norte-americano e, embora fosse filho da classe média, pode testemunhar a profunda segregação, violência e injustiça com que os sulistas negros eram tratados pelos brancos. Como muitos outros negros norte-americanos, King dedicou sua vida à justiça social, baseando sua ação na curiosa idéia da resistência não-violenta, teoria que conhece e simpatiza desde os tempos do colegial, quando lê Essay on Civil Desobedience, de Henry David Thoreau. Em seguida, já em 1951, King decide seguir os passos do pai, pastor da Igreja Batista, ingressando no seminário Crozer. Mais tarde, e já como pastor da Dexter Avenue Baptist Church, King revela-se um brilhante orador, dotado daquela liderança natural que caracteriza certas pessoas, destacando-se na condução do famoso boicote dos ônibus de Montgomery, em 1954. É nesse episódio que King põe à prova, pela primeira vez, sua teoria da não-violência, baseada em parte no que já havia aprendido com Thoreaus, mas também nas lições do teólogo Reinhold Niebuhr sobre o caráter ativo, e não passivo, da resistência pela não-violência, e, sobretudo, na satyagraha, filosofia desenvolvida por Mahatma Gandhi.
    Os aspectos fundamentais da teoria elaborada por King são o amor, a compreensão e a benevolência. Para King, resistir de forma não-violenta não significa aceitar passivamente o mal e o ódio, mas confrontá-los com o amor. King não pretende atingir a justiça humilhando ou enganando o adversário, mas convencendo-o de que há um senso moral comum a todos os homens que se propõem a conviver em sociedade, independentemente de sua cor ou sua crença. E para lograr êxito, o adepto da não-violência deve abster-se não somente da violência física, como também e principalmente da violência psicológica. É preciso localizar naquele que nos humilha ou nos odeia a parcela de humanidade que todo ser humano possui, por mais distintos que sejam dos nossos seus valores ou ideais. Como dizia o mestre em seu Pilgrimage to Nonviolence, p. 390 (ver Nonviolence in America: A Documentary History. Ed. Staughton Lynd, Indianapolis: Bobbs Merrill, 1966): “a resistência deve ser dirigida ao mal, não às pessoas que o praticam”. E, embora nesse ponto particularmente eu não concorde com King - a História não depõem nesse diapasão, ele sempre disse que o universo está do lado da justiça. Daí porque, para ele, a não-violência não deve ser utilizada apenas como tática pontual de resistência, mas antes como filosofia linear de vida. Por suas idéias e força, King recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1964 e, quatro anos depois, foi assassinado. Em homenagem a King, deixamos a faixa Struttin’ About retirada do álbum Seven Minds, gravado em 1984 por seu conterrâneo Rufus Reid (na foto acima com o trompetista Woody Shaw). Com ele estão Jim McNelly (p) e Terri Lyne Carrington (d). Que os Dantas e os Queiroz estudem mais a Satyagraha e ponham em prática os ensinamentos de King.